Os gaúchos costumam chamar popularmente de “baiano” todas as pessoas de fora do Rio Grande do Sul que não conhecem a cultura e os costumes campeiros. Quem não sabe andar a cavalo, por exemplo, mesmo nascido nos pampas, é logo tachado de “baiano”. Porém, nem se imagina o grande equívoco que se está cometendo. Tem baiano entendendo, e muito, de cultura gaúcha, freqüentando CTG, dançando em invernada artística, preparando churrasco e chimarrão e só não estão promovendo provas campeiras porque ainda não têm espaço adequado.
É assim no CTG Rincão da Saudade, em Salvador, fundado por gaúchos que residem na Bahia e que ensinaram a tradição rio-grandense a muitos baianos. Um dos integrantes do CTG é o caçapavano José Valmi Oliveira da Rosa, que há 30 anos mora na Bahia. Ele já foi membro da patronagem do CTG e fundou o jornal da entidade, o “Cultura Nativa”. É lá, a 3 mil quilômetros do Rio Grande do Sul, que ele está comemorando a Semana Farroupilha.
No Rincão da Saudade são promovidos bailes, rondas, missa crioula e alvorada. De 13 a 20 de setembro, vários baianos e gaúchos acampam ao redor do CTG, que tem vista para o mar. A Chama Crioula é acesa no Forte São Marcelo (antiga fortaleza onde o General Bento Gonçalves esteve preso) e conduzida por cavaleiros até o CTG. A entidade tem espaço de lazer, bolicho e salão de festas, e mantém a Escola Piratini, com aproximadamente 300 alunos. São crianças carentes que têm aulas de cultura gaúcha, aprendem as danças típicas e participam de um coral. O CTG completará 39 anos em dezembro e integra o Centro Gaúcho da Bahia, uma espécie de embaixada do Rio Grande na Bahia. Lá já se apresentaram artistas renomados do Sul, como Borguetinho, César Passarinho (falecido), Os Serranos e Gaúcho da Fronteira. Foi no Rincão da Saudade que José Valmi da Rosa (49 anos) pôde mostrar como são as festas do Rio Grande a sua esposa, a baiana Jerusa Iracema Iguaci Santil da Rosa (45 anos) e aos três filhos nascidos em Salvador: Diego Ribas (23), Clarissa Guadalupe (22) e Lara Isabela (19).
José Valmi saiu de Caçapava nos anos 70 para passar seis meses na Bahia a trabalho, como desenhista cartográfico da Companhia Vale do Rio Doce. Mas nesse período conheceu Jerusa, casou e ficou por lá até hoje, trabalhando na Companhia Baiana de Pesquisa Mineral. Mesmo longe da querência, segue cultuando as tradições gaúchas e transmitiu para os filhos e a esposa o amor pelo pago: - Minha mãe, baiana de Alagoinhas, sabe fazer comida campeira. E acho que Diego já nasceu pilchado – brinca Clarissa, que está em Caçapava com o irmão. Clarissa e Diego são fundadores da Invernada Artística Mirim “Os Desgarrados”, do CTG Rincão da Saudade. A baiana Clarissa também já foi 1ª Prenda do CTG, passando por provas de declamação, teórica (sobre a História e os símbolos do Rio Grande) e prática, em que precisa saber danças gaúchas e fazer comida típica. “Estudamos a sério a cultura gaúcha”, diz ela, relatando que os integrantes do CTG estudam desde a indumentária gaúcha, a gastronomia, as danças e músicas.
- A integração cultural do gaúcho e do baiano é muito forte. Em Salvador há o Bairro Imbuí, onde mais de 70% dos moradores são gaúchos. Há até a expressão “baiúcho”. Um dos nossos símbolos é o porongo, do qual se faz a cuia para o chimarrão do gaúcho e o berimbau do baiano – conta Diego, e acrescenta: “Andamos pilchados pelo Pelourinho. Mas algumas pessoas pensaram que fôssemos ciganos”.
Conforme Diego, os nordestinos gostam e admiram a cultura gaúcha, principalmente a dança e a música, que associam ao forró. “Hoje a maioria dos freqüentadores do CTG são filhos de gaúchos e pessoas sem nenhum vínculo com o Rio Grande. Há também a UTGN (União Tradicionalista dos Gaúchos do Nordeste), que realiza encontros anuais em diferentes Estados do Nordeste, e a cada ano há mais grupos nesses eventos”, relata.
O amor pela tradição gaúcha também virou negócio para a família de José Valmi. Ele e a esposa, que é promotora de eventos, montaram a empresa Pampa Eventos, que leva churrasco e shows folclóricos para as festas. “O churrasco na vala é um sucesso e até mudou alguns hábitos. Os baianos não gostavam de costela, chamavam de ‘chupa-molho’. Agora, depois de assada por um gaúcho, passaram a valorizá-la”, diz Diego.
Clarissa e Diego tem ido aos bailes no CTG Família Nativista e, se depender deles, o culto às tradições do Rio Grande e a integração de gaúchos e baianos só vai aumentar. “Nasci em Salvador, mas amo a cultura do meu pai”, afirma Diego. Clarissa está fazendo o caminho inverso ao do seu pai. Em janeiro, veio a Caçapava para fazer vestibular na UFSM. Conheceu o caçapavano Valter Fleck Saraiva, 25 anos, e se apaixonou. Em maio, eles casaram em Salvador e voltaram para cá. Em janeiro de 2005, será realizado o casamento religioso em Caçapava, que será um casamento campeiro, realizado na sede campestre de um CTG, com os noivos pilchados. Ele irá até o local a cavalo e ela, numa aranha (tipo de charrete). Mas também estará presente uma típica baiana de tabuleiro, para simbolizar a união das culturas