Gravas-me no corpo inusitados gozos da alma com tua férrea vontade de derrotar a nudez. E eu, indefeso
perante tua arte de amar, tua beleza bailarina no escuro vendado do quarto.
Quero ser a obra e sou a matéria com que trabalhas, o trémulo modelo desengraçado
a quem conferes a helénica perfeição. Descansa assente em meu joelho um manto em que derramo
o meu júbilo de partilharmos olhares. Sou teu, confesso a medo, talvez tu já não me queiras.
És minha, digo sem convicção, porque é tua tão grande arte e minha execução tão
frágil que não posso adiar que me deites as mãos outra vez.
Sou tua criatura, trágico na concepção, morto para que me dês vida com tuas ferramentas.
Que dês forma sólida a minha alma, ainda um bloco pétreo para que o queiras trabalhar.
Esculpes minha figura débil com teu escopro de mão na pele. Pintas-me por dentro com a fluidez das tintas de tua dança,
que te enlaça e balança sobre a carne. Teus cabelos um pincel que traça meu destino de tela.
Marca-me, desenha-me, deixa-me tua assinatura e se não gostares do que de mim fizeste,
rasga-me, rompe-me, não me deixes para recolher o pó do ateliê enquanto aplicas
nova técnica noutra intocada tela de homem.
Outros se galvanizam sonhando serem feitos criações de tua sábia oficina.
Tuas ariscas mãos de menina, teu langor atrevido de mulher,
deixa-me ser teu domínio, princesa, digo rainha, senhoril possuidora do vasto império da tentação domada.
Imperatriz de faz-de-conta, teu jeito de actriz, mentindo o prazer,
oculta nas vermelhas cortinas do leito. Faz de mim o estrado pisado, a noite de abertura que se repetirá por longos e longos dias,
a peça decorada, o desafio do papel, a dramaturgia, a trama, o enredo, o ponto.
Declama minhas frases, meus medos, meu drama de paixão. Recolhe meus aplausos, aceita minhas rosas,
postas no teu camarim com um postal que me revela oculto: o teu admirador secreto.
Como se ao fundo, escondido nas galerias ou no alto do camarote,
plebeu ou nobre, te espreitasse ao longe o decote. Bravo, grito, bravo, é a peça que termina,
minha derrota da ilusão. Seria bom ser assim para sempre, ser verdade a representação,
tua dissimulada morte de amor, tua inclemente paixão, teu desejo febril, e a tísica ou
a tuberculose que te teria feito saciada apenas por mim, o teu primeiro homem ou o
teu jovem amante, que te devolve ao amor, sacando-te aos braços
do teu hórrido e velho marido.
É tua imensa perícia que me sacia e faz temer a multidão, que se
enredaria em teu ofício, assim soubesse existires como te vejo.
Clamorosa diva, artesã do meu desejo.
perante tua arte de amar, tua beleza bailarina no escuro vendado do quarto.
Quero ser a obra e sou a matéria com que trabalhas, o trémulo modelo desengraçado
a quem conferes a helénica perfeição. Descansa assente em meu joelho um manto em que derramo
o meu júbilo de partilharmos olhares. Sou teu, confesso a medo, talvez tu já não me queiras.
És minha, digo sem convicção, porque é tua tão grande arte e minha execução tão
frágil que não posso adiar que me deites as mãos outra vez.
Sou tua criatura, trágico na concepção, morto para que me dês vida com tuas ferramentas.
Que dês forma sólida a minha alma, ainda um bloco pétreo para que o queiras trabalhar.
Esculpes minha figura débil com teu escopro de mão na pele. Pintas-me por dentro com a fluidez das tintas de tua dança,
que te enlaça e balança sobre a carne. Teus cabelos um pincel que traça meu destino de tela.
Marca-me, desenha-me, deixa-me tua assinatura e se não gostares do que de mim fizeste,
rasga-me, rompe-me, não me deixes para recolher o pó do ateliê enquanto aplicas
nova técnica noutra intocada tela de homem.
Outros se galvanizam sonhando serem feitos criações de tua sábia oficina.
Tuas ariscas mãos de menina, teu langor atrevido de mulher,
deixa-me ser teu domínio, princesa, digo rainha, senhoril possuidora do vasto império da tentação domada.
Imperatriz de faz-de-conta, teu jeito de actriz, mentindo o prazer,
oculta nas vermelhas cortinas do leito. Faz de mim o estrado pisado, a noite de abertura que se repetirá por longos e longos dias,
a peça decorada, o desafio do papel, a dramaturgia, a trama, o enredo, o ponto.
Declama minhas frases, meus medos, meu drama de paixão. Recolhe meus aplausos, aceita minhas rosas,
postas no teu camarim com um postal que me revela oculto: o teu admirador secreto.
Como se ao fundo, escondido nas galerias ou no alto do camarote,
plebeu ou nobre, te espreitasse ao longe o decote. Bravo, grito, bravo, é a peça que termina,
minha derrota da ilusão. Seria bom ser assim para sempre, ser verdade a representação,
tua dissimulada morte de amor, tua inclemente paixão, teu desejo febril, e a tísica ou
a tuberculose que te teria feito saciada apenas por mim, o teu primeiro homem ou o
teu jovem amante, que te devolve ao amor, sacando-te aos braços
do teu hórrido e velho marido.
É tua imensa perícia que me sacia e faz temer a multidão, que se
enredaria em teu ofício, assim soubesse existires como te vejo.
Clamorosa diva, artesã do meu desejo.