DIFUSÃO CULTURAL.
Não resta dúvida que grande parte dos padrões culturais de dado sistema não foram criados por um processo autóctone, foram copiados de outros sistemas culturais. A esses empréstimos culturais a antropologia denomina difusão. Os antropólogos estão convencidos de que, sem difusão, não seria possível o grande desenvolvimento atual da humanidade. Nas primeiras décadas do séculos XX, duas escolas antropológicas (uma inglesa, outra alemã), denominadas difusionistas, tentaram analisar esse processo. O erro de ambas foi o de superestimar a importância da difusão, mais flagrante no caso do difusionismo inglês que advogava a tese de que todo o processo de difusão originou-se no velho Egito.
Mas deixando de lado o exagero difusionista, e mesmo considerando a importância das invenções simultâneas (isto é, invenções de um mesmo objeto que ocorre inúmeras vezes em povos de culturas diferentes situados nas diversas regiões do globo), não poderíamos ignorar o papel de difusão cultural. Numa época em que os norte-americanos vivam um grande desenvolvimento material e os seus sentimentos nacionalistas faziam crer que grande parte desse processo era resultado de um esforço autóctone, o antropólogo Ralph Linton escreveu um admirável texto sobre o começo do dia do homem americano:
O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou linho ou de lá de carneiro, um e outro domesticados no Oriente próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo.
Ao levantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram inventados pêlos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestiário inventado na Índia e lava-se com sabão que foi inventado pêlos antigos gauleses, faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito.
Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele original dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pêlos croatas do século XVII.
Antes de ir tomar o seu breakfast (primeira refeição do dia), ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver chovendo, calça galochas de borrachas descoberta pêlos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas. De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma séria de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem de um original romano. Começa o seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar.
A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar o seu leite são originários do oriente próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café vêm Waffes (bolacha doce), os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou planta domestica na Ásia Menor.
Rega-se com xarope de maple, inventado pelos índios da florestas do Leste do Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de uma espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no Norte da Europa.
Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, habito implantado pêlos índios americanos e que consome um planta originaria do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro, proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio as Espanha. Enquanto fuma, lê noticias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na china e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser cem por cento americano.
LARAIA, roque de barros. cultura, um conceito antropológico. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 16’ ed. 2003. p. 105-108.
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