3 de mar. de 2007

DIFUSÃO CULTURAL ANTROPOLOGICA.

DIFUSÃO CULTURAL.

Não resta dúvida que grande parte dos padrões culturais de dado sistema não foram criados por um processo autóctone, foram copiados de outros sistemas culturais. A esses empréstimos culturais a antropologia denomina difusão. Os antropólogos estão convencidos de que, sem difusão, não seria possível o grande desenvolvimento atual da humanidade. Nas primeiras décadas do séculos XX, duas escolas antropológicas (uma inglesa, outra alemã), denominadas difusionistas, tentaram analisar esse processo. O erro de ambas foi o de superestimar a importância da difusão, mais flagrante no caso do difusionismo inglês que advogava a tese de que todo o processo de difusão originou-se no velho Egito.
Mas deixando de lado o exagero difusionista, e mesmo considerando a importância das invenções simultâneas (isto é, invenções de um mesmo objeto que ocorre inúmeras vezes em povos de culturas diferentes situados nas diversas regiões do globo), não poderíamos ignorar o papel de difusão cultural. Numa época em que os norte-americanos vivam um grande desenvolvimento material e os seus sentimentos nacionalistas faziam crer que grande parte desse processo era resultado de um esforço autóctone, o antropólogo Ralph Linton escreveu um admirável texto sobre o começo do dia do homem americano:

O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou linho ou de lá de carneiro, um e outro domesticados no Oriente próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo.
Ao levantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram inventados pêlos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestiário inventado na Índia e lava-se com sabão que foi inventado pêlos antigos gauleses, faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito.
Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele original dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pêlos croatas do século XVII.
Antes de ir tomar o seu breakfast (primeira refeição do dia), ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver chovendo, calça galochas de borrachas descoberta pêlos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas. De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma séria de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem de um original romano. Começa o seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar.
A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar o seu leite são originários do oriente próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café vêm Waffes (bolacha doce), os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou planta domestica na Ásia Menor.
Rega-se com xarope de maple, inventado pelos índios da florestas do Leste do Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de uma espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no Norte da Europa.
Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, habito implantado pêlos índios americanos e que consome um planta originaria do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro, proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio as Espanha. Enquanto fuma, lê noticias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na china e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser cem por cento americano.

LARAIA, roque de barros. cultura, um conceito antropológico. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 16’ ed. 2003. p. 105-108.

Nenhum comentário: